8 de agosto de 2008

Imagens e relato de um crime



Tudo se transformara ao longo dos séculos.
O vento de Novembro, outrora gélido, queimava-me as entranhas, enrolava-se na minha angústia de te ver longe, distante, quase-morto. Um prenúncio de tragédia.

O Tempo, o longo tempo, dizia-me que o teu olhar pousava longe, que os teus passos seriam apenas um eco. E a raiva davam vida ao sangue (pouco) humano que pulsava ainda no meu corpo, uma mágoa sobre entrega e desperdício.
A tua mente conspirava contra mim, sem respeito pelos restos mortais da minha alma que repousavam num sítio distante, tão perdidos quanto o teu olhar. Eu ouvia-a. Via o plano a desenhar-se, ouvia as palavras que me dirias na penumbra que se adivinhava.

Que mais poderia ter feito?
Poderia ter-te deixado ir. Poderia ter virado as costas e caminhado para longe. Mas a solidão que construíramos com o medo de acabarmos mortos voltava-se agora contra mim numa violência visceral, sentenciou-te. Em silêncio, sem pudor. O cansaço de uma dor antecipada era insuportável, demasiado real.

Então agi. A cor da esperança para ti, para ela, estava esbatida ao mais ténue possível.
Não faltava sequer a oportunidade. O modo estava escolhido há muito, assim que o seu perfil se desenhara nos teus sonhos, e era tão simples, tão fácil…


Saíste naquela noite com um “adeus, até logo” seco. Beijaste-me a testa com uma rapidez aflitiva, beijo que perdurará durante a próxima eternidade como prova, desejo, mágoa, necessidade.
Fui à janela, observava-te enquanto me abandonavas. Os candeeiros davam-te aquela luz amarela-baça que eu tanto gostava de ver a reluzir na tua pele, estavas perfeito. Demais.

Vesti-me. Demorei horas naquele ritual que tanto gostavas de observar.
A saia tinha a pureza do branco e o negro do inferno que te esperava, a blusa entregava-me aquele ar austero de viúva inconsolável, tão preciso nessa noite. O colar, manchado com o sangue do momento em que te pedira a noite interna, pendia sobre o meu colo, tão pálido e impaciente pela tua súplica.

Saí. Sabia bem onde te encontrar.
Não me esperavas e o teu olhar foi o suficiente. Sentei-me na vossa mesa e, tenho que confessar, o pânico no olhar da tua nova escolha deu-me o alento final. Pedi um copo de vinho e tu, gentilmente, acompanhaste-me. Tudo o que era humano em mim desaparecera há meses e a tua inquietação tornara-se a presa ideal. Fugias e procuravas defendê-la. Não sabias sobre quem recaíria a minha fúria.

Pediste-me que te acompanhasse lá fora. Sorri.
“Perdoa-me”
E foi no instante em que os primeiros raios ameaçavam a sua presença que o impulso de vingança tomou conta do frágil corpo que a minha alma impiedosa e cruel habitava. A adaga lançou-se contra o que me atraiçoara e o rasgo de vermelho escuro putrificado inundou a calçada imunda. Ajoelhaste-te. A dor perdia-se na rigidez dos teus lábios, no espanto do teu olhar. Deixei-te ali caído, entregue às cinzas que serias em breve, e regressei ao bar.

“Ele não vai voltar, podes acabar o vinho”

3 comentários:

Anónimo disse...

Bemmmmm... o que é que eu fiz????

Olha lá o que é suposto ser isto? Clube de leitura? Está estrondoso e estranho! É um prazer ler-te!

Filipa disse...

Lol :p

É um novo formato d'isto ;) ser estrondoso e estranho é um elogio muito maior que o merecido!

Loot disse...

Eu gostei mas para bem do Ricardo espero que não seja uma história baseada em factos reais ehehe :P